Pois é… o Ordnance Survey, autoridade nacional de cartografia inglesa, e produtora de vários produtos cartográficos, vai disponibilizar gratuitamente os seus produtos a partir da escala 1:10.000. Incluíndo para fins comerciais.
Esta decisão foi tomada pelo Governo Britânico e anunciada pelo 1º ministro britânico no dia 17 de Novembro de 2009. Aparentemente, foi muito impulsionada pelo “inventor” da web, Tim Berners-Lee, que desempenha um papel de assessor para esta questão desde Junho de 2009.
A questão sobre se os dados cuja produção é financiada pelo Estado devem ou não ser gratuitos é antiga e muito apaixonada. Sempre que alguém refere esta questão desenvolvem-se sempre grandes discussões, e amizades de uma vida podem perder-se!! Na minha perspectiva, existem 2 campos: aqueles a favor da venda dos dados (geralmente pessoas associadas ao IGP ou a empresas de cartografia), e depois o grupo daqueles que são a favor da distribuição tendencialmente gratuita dos dados, constituído pelo restante da humanidade.
Até recentemente, havia o grande fosso Americano-Europeu que mostrava bem a aplicação das 2 políticas. Os EUA aplicam a regra em que se os dados são produzidos com dinheiros públicos então devem ser gratuitos. Na Europa, a regra seria a de que para manter uma elevada qualidade dos dados e para os manter actualizados de forma sustentável, é necessário cobrar, e bem, pelos dados mesmo que sejam produzidos com dinheiro dos impostos. Do ponto de vista europeu, os dados americanos são maus e não servem os grandes interesses do público. Pois, mas por cá continuo sem ter uma rede de estradas nacional em formato SIG como os EUA têm… (vide TIGER).
Sucede que este fosso está a desaparecer, num movimento lento mas que parece agora acelerar. A Espanha decidiu implementar em 2008 uma política de difusão livre dos dados cartográficos do Instituto Geográfico Nacional espanhol. Em Novembro deste ano a Noruega também abriu o acesso a produtos cartográficos, embora de uma forma limitada a fins não lucrativos e individuos. Agora, a OS, uma das mais conceituadas entidades estatais responsáveis pela cartografia, vê-se forçada a libertar grande parte dos seus dados. Foram efectivamente forçados, porque até agora a OS tem defendido energicamente a sua posição de comercializar os dados que produz, numa política de recuperação total ou quase total de custos.
O impacto desta decisão ao nível financeiro parece estar acautelado, já que a decisão foi co-apresentada pelo responsável britânico das Finanças! Até agora não se encontram dados claros sobre o custo desta decisão, mas aparentemente a maior parte das receitas da OS são obtidas dos dados a escalas maiores (1:2500 e 1:1250), produtos que por cá nem existem. As estimativas que encontrei são muito variadas, indo de 5 milhões a 50 milhões de libras em receitas perdidas. Mas a questão parece não ser grave, e as mesmas estimativas apontam para uma geração de receitas muito superior na sociedade civil.
Agora, e relativamente a Portugal, como estamos? Dados livres temos os limites administrativos, e algumas imagens de cartas à escala 1:500.000 ou pior. E ainda algumas cartas temáticas de interesse circunscrito a áreas específicas (Cartografia de Risco de Incêndio Florestal, Rede de Nacional de Estações Permanentes). No total, existem 8 serviços WMS disponibilizados pelo IGP, e 3 deles são limites administrativos.
E dados pagos? Com qualidade e actualizados de forma sustentável? Onde andam? Mas mais importante, que receitas geram ao IGP? Que importância têm no orçamento do IGP? Será assim tão caro disponibilizar os ortofotomapas 1:10.000 de penúltima geração? E quanto custará (em receitas perdidas) disponibilizar alguma informação extraída da cartografia 1:10.000? E por fim, que tipo de actividade económica será gerada por esta disponibilidade de informação? Que receitas podem ser esperadas? Não serão maiores que os custos? Enfim, não será este o caminho a seguir?
Aguardemos o que o futuro nos trará. O presente parece cada vez melhor.
Saudações caro colega. Não posso estar mais de acordo com o que foi dito no penúltimo parágrafo. Até que ponto a venda de informação geográfica pelo IGP contribui para as suas receitas?! será, assim, tão significativo? Tal como o conhecimento, a informação não deve ser guardade mas sim partilhada, quando digo guardada, digo a informação que é retida até ser comprada para ser utilizada. A política dos EUA só mostra o quanto este país está a anos-luz da maioria dos europeus em termos de rentabilização da informação. Na minha opinião, a partilha da informação só trás benefício a todos os interessados, promovendo, desta forma, o que melhor se faz num país.
Cumprimentos,
José Santos
Não vejo como receita perdida, a liberdade dos dados cartográficos. Imagine o impacto na economia que uma decisão dessas por de causar. A quantidade de novos negócios que poderão ser gerados a partir desses dados certamente vai reflectir em mais impostos e possivelmente até mais empregos. Os EUA a muitos anos já aperceberam-se disso e sabem que essa politica de liberdade de dados cartográficos trás imensos ganhos a médio prazo.
Enfim, só nos resta aguardar que nossos governantes comecem a pensar no assunto ao menos.
Bom fim de semana.
Luiz Amadeu Coutinho
Geógrafo
http://www.geoinformacaonline.com
http://www.google.com/profiles/amadeu.vix
José:
Saudações. A questão não é simples, mas também acredito que será vantajoso optar por uma política muito mais aberta. A que temos hoje é arcaica quando a comparamos com o que vem passando.
Luiz:
Quando digo receita perdida, é porque me coloco no lugar de quem no IGP tem de gerir o orçamento do instituto… quanto ao impacto na economia, na sociedade, no ensino, é tudo positivo.
Eventualmente chego tarde a este post… mas o facto da minha recente procura de cartografia digital, nomeadamente um MDT de Portugal, levou-me a só agora encontrar este blog – e desde já os parabéns ao autor.
Notei que nesta entrada do blog é mencionado o IGP como alvo de críticas, obviamente por comparação ao OS britânico. Mas que dizer dos preços praticados pelo IGeoE?… ou pelo IGM/INETI, principalmente tendo em conta a sua parca oferta? No fundo, também estes dois institutos são estatais… também eles cumprem uma missão de produção de dados espaciais… também eles são financiados maioritariamente pelo Estado e duvido, como questionado anteriormente quanto ao IGP, que qualquer deles dependa directamente da cartografia vendida.
Mas todos eles se dizem proprietários de dados (diria eu indispensáveis ao progresso científico), gabam-se de dar descontos a estudantes (o que sempre me fez rir tendo em conta os preços praticados!!!) e continuam a praticar a boa máxima de monopólio: mais ninguém tem logo eles cobram o que querem!
Olhe-se para outros países europeus e vejam-se as diferenças.
Caro Pedro, bem vindo à discussão 🙂
Não chega tarde porque esta é uma realidade muito actual, por enquanto.
Concordo que é feita um crítica aqui ao IGP, mas penso que sempre numa perspectiva constructiva. Por meu lado, como utilizador de informação geográfica, quero mais e melhor por parte do IGP, como entidade estatal responsável pela cartografia nacional. Quer o IGeoE quer outras entidades parecem-me secundárias, quanto a produção de cartografia pelo Estado. Claro que a discussão sobre o preço desta informação abrange todas as entidades…
Mas vamos ver, pode ser que as coisas mudem, se continuarmos a ver a velha Europa a adoptar cada vez mais modelos gratuitos ou mistos, onde há informação considerada de “1ª necessidade” que passa a ser gratuita, e depois outra considerada “premium”, já paga. Já temos a Espanha, a Inglaterra, a Holanda… e a seguir?
Um abraço,
Duarte
Boa noite Duarte,
Permita-me discordar no que toca ao status “secundário” a que relega outras instituições. Se de facto se pode dizer que do IGeoE isso se pode aplicar, o facto é que a Carta Geológica de Portugal, da responsabilidade do IGM/INETI, não só é cara mas também “escassa”. É óbvio que é uma carta muito específica… mas é certo também que dificilmente se consegue por outros produtores (ao contrário de alguma sobreposição temática que se encontra entre a cartografia “disponibilizada” pelo IGP e pelo IGeoE). Além disso, é informação que se pode considerar vital em determinadas áreas do conhecimentos e sem a qual um estudo espacial se pode dizer incompleto.
Ora, se ao preço exorbitante adicionarmos uma cobertura nacional perfeitamente incompleta (pelo menos no que toca a escalas abaixo da 1:200 000) a coisa torna-se simplesmente anedótica.
Gostava de acreditar numa evolução positiva da situação, mas infelizmente os tempos de “vacas magras” que já atravessamos só tende a piorar. E é naturalmente nestes campos considerados por alguns como algo supérfluos, como seja o da partilha do conhecimento científico, que o impacto se sente mais. Gostava de ser optimista, mas confesso que me custa.
Um abraço
Pedro, nada a contradizer… com as vacas magras também não me parece que venham ventos melhores… mas por outro lado, bastava ser publicada em DR uma nova política de acesso a informação geográfica estatal com um nível de acesso gratuito (como fizeram os nosso vizinhos), e teríamos uma realidade totalmente diferente. Um pequeno impacto nestas instituições e um enorme na sociedade portuguesa… pode ser que alguém nos oiça/leia…
Duarte